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E Que Tal Dizer Não Aos Charrinhos?

Há quase um mês atrás (26 de Outubro de 2022), a Alemanha apresentou planos para legalizar a canábis, o que iria colocar a Alemanha num dos países iniciantes da prática de legalização desta droga. O plano é detalhado num documento apresentado pelo ministro da saúde da Alemanha, Karl Lauterbach, que prevê a introdução de uma legislação planeada para regular a distribuição e o consumo de canábis para fins recreativos entre adultos, para além da legalização da posse no valor máximo de 30 gramas de canábis recreativa para consumo pessoal1.


Assim, a Alemanha daria o seu próximo passo neste pronunciamento sobre a canábis após a legalização do uso desta droga psicoactiva. O primeiro passo foi a legalização da canábis para fins medicinais, em 20172.


Duas medidas salientadas pelo Governo alemão que pretendem ser postas em prática são: a introdução de um imposto especial de consumo e o desenvolvimento de projectos de educação e de prevenção associados à canábis. Também é previsto que todas as investigações e processos criminais em curso que envolvam o cultivo particular de erva à margem da lei sejam encerrados, a não ser nos casos estabelecidos pela futura regulação como actividades ilegais3.


Com estas ideias anda a Europa a avançar num caminho que entende ser prudente. Na verdade, que notícias é que nos chegam dos locais (estados, distritos, condados, cidades, ...) que viram a ideia da legalização da canábis como apelativa? A convicção de que a legalização destas plantas iria acabar com o flagelo dos crimes violentos associados à oferta e procura de drogas (especialmente a canábis) está muito presente nas nossas figuras intelectuais e políticas. Os nossos vizinhos do outro lado do Oceano Atlântico fizeram algumas experiências com a manipulação da acessibilidade destas drogas através da lei. Quais delas é que são felizes é que não sei mesmo dizer.


A reação ao Controlled Substances Act, promulgado pelo Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) em 1970, veio impor e reforçar restrições na utilização da marijuana, chegado mesmo a ilegalizar a sua utilização para fins medicinais. Em reação a esta manifestação da posição de Washington, um movimento contracultural, interessado na liberalização das leis estaduais respetivas às drogas, conseguiu influenciar decisivamente os EUA: em 1977, 13 estados já tinham reduzido ou mesmo eliminado as penas por posse de canábis. Se tivermos como datas de referência o ano de 1973, quando o Oregon estabeleceu uma multa máxima de 100 dólares pela posse de até 1 onça (cerca de 28 gramas) de marijuana, e o ano de 1978, no qual o Nebraska descriminalizou o seu uso, observamos que mais nenhum dos 50 estados americanos introduziu leis tão disruptivas relativamente ao recurso à canábis4 durante os 23 anos que se seguiram. Certamente que alguma experiência e atenção ao decorrer dos acontecimentos pode explicar isto. Nos finais da década de 1970, a América foi atingida por um período completamente anormal de disseminação e consumo de cocaína, que se veio a demonstrar como sendo duas variáveis dependentes do consumo crescente de marijuana. Esta relação foi sugerida por vários estudos, sendo que de um deles, realizado pelo National Institute for Drug Abuse (Instituto Nacional para o Abuso de Drogas), se podem retirar pelo menos duas conclusões: um adolescente que fumasse canábis 40 vezes revelaria uma probabilidade de 50% de vir experimentar cocaína; apenas 1 em 300 adolescentes que nunca tivessem fumado marijuana utilizariam cocaína. A epidemia do crack e da cocaína5 estendeu-se ao longo da década seguinte, inviabilizando a boa reputação de qualquer pessoa ou instituição que considerasse a descriminalização de todas as drogas mencionadas.

Muitos de nós são capazes de dizer que isto duraria para sempre. Contudo, não é bem assim. Os defensores da legalização da marijuana aproveitam os momentos eleitorais para transmitirem e reformularem as suas mensagens. Infelizmente, têm tido sucesso. No estado da Califórnia, por exemplo, foram mais as suas ideias do que os seus resultados prometidos que triunfaram.


Nas eleições estaduais de 2010, a Proposition 19 (Proposta 19), uma iniciativa com vista à legalização do uso recreativo da marijuana, incluía a seguinte premissa: “A proibição (da marijuana) criou um mercado criminal violento gerido por cartéis de droga internacionais”. Assim, o “controlo da marijuana” seria a forma mais adequada de dificultar o acesso desses cartéis a receitas provenientes do comércio de canábis. Apesar de os eleitores californianos não terem ficado convencidos em 2010, os defensores da legalização de marijuana regressaram seis anos mais tarde com os mesmos argumentos para as mesmas finalidades, pronunciando-os da seguinte forma: a legalização criaria “um sistema legal e seguro de utilização de marijuana por adultos” na Califórnia. Desta vez, os eleitores da Califórnia deram um sinal positivo para a utilização de canábis para fins recreativos nesse estado6. O Governador Gavin Newson, defensor (pelo menos inicialmente) da legalização da erva para fins recreativos, vê-se agora bastante preocupado com o desmantelamento do mercado negro no estado que governa. Em Fevereiro de 2019, anunciou que iria “impulsionar a Força Antidrogas da Guarda Nacional em todo o estado, redistribuindo as forças em direcção ao norte para ir atrás das fazendas ilegais de canábis, muitas das quais são administradas por quartéis.7


No Oregon, onde o uso de canábis para fins recreativos foi legalizado para fins recreativos em 2015, fontes oficiais estimam que milhares de quintas de cultivo de marijuana estejam a operar no sul do estado, onde os conflitos armados se têm generalizado. Há um influxo tão destacado de agricultores fora-de-lei que é possível afirmar que “o sul de Oregon agora compete com o notável Triângulo de Esmeralda da Califórnia enquanto centro nacional do cultivo ilegal de erva”. Apesar de o cultivo de marijuana ser legal desde 2014 no Oregon, o Xerife do Condado de Jackson Nate Slicker suspeita de que o número de cultivos ilegais no estado alcançar os 10008.

Em Oklahoma, um dos estados onde as licenças para cultivar marijuana para fins medicinais são mais acessíveis (mais fáceis de obter), houve pelo menos cinco incursões policiais sobre plantações ilícitas da erva9.


Noutro estado que tentou combater o mercado negro de marijuana através da legalização da sua utilização recreativa, Colorado, tem-se observado a crescente presença de cartéis mexicanos e de outros gangues e grupos criminosos estrangeiros, particularmente em Denver, na capital10.


Ao longo do artigo, já mencionei dois exemplos de estados (Oklahoma, nos EUA, e Alemanha) nos quais a marijuana “para fins medicinais” é legal. Talvez até já devia ter colocado parêntesis nas referências anteriores, porque realmente a insistência de vários documentos legais em reconhecerem a vertente “medicinal” da marijuana é muito preocupante. Ao contrário dos medicamentos, dos remédios e de outros meios de tratamento médico disponíveis, a canábis não é sustentada por uma pesquisa susceptível de esclarecer devidamente as suas vantagens e as suas desvantagens e riscos., nem pode ser vendida com a certeza de que as primeiras são muito superiores às segundas. A marijuana é uma toxina. Quando consumida, coloca em causa capacidades cognitivas e motoras, aumenta o risco de psicose e de esquizofrenia (amnos incluem sintomas como os delírios e as alucinações) e cria dificuldades no nosso sistema respiratório11. Ela encontra-se igualmente associada a perdas de QI, ao aumento dos níveis de depressão, da ansiedade, da probabilidade da ocorrência de problemas nas relações pessoais do consumidor, da insatisfação com a vida, de obtenção de bons resultados académicos e de carreira12.


Admito não ter conseguido abordar todas as questões envolventes, como por exemplo as diferenças geracionais do consumo de canábis e a evolução do número relativo de pessoas a consumirem esta erva ao longo de um determinado período. Contudo, o que está a acontecer no sul do Oregon, na Califórnia, no Colorado e noutros locais deve-nos advertir sobre o movimento pela legalização da marijuana. O movimento conseguiu que estes estados expandissem o mercado legal destas drogas, enquanto sofrem de um alastramento significativo da produção ilegal da erva ao longo do seu território. O movimento prometeu que a legalização da canábis iria levar ao desaparecimento do comércio ilegal, do crime violento e da lavagem de dinheiro sobre os quais incidem drogas como a canábis. Contudo, o que temos assistido é ao boom do seu mercado negro. E nunca nos esqueçamos dos efeitos nocivos para a saúde de que a marijuana é portadora. Conseguirá a Alemanha e a República Checa13 apresentar um modelo de regulação que consiga simplesmente contrariar estas realidades? Não implicará isso uma atitude desonesta relativamente aos “feitos” da “erva medicinal”14 e a forma como eles são apresentados ao público? E como conseguirão todos os países europeus que decidam ir em frente com a legalização da canábis assegurar de que aqueles que não seguem as regras do jogo são excluídos dele? Parece que há muito para explicar e muitos malabarismos que fazer para retirar uma interpretação da história das políticas públicas que reflita uma posição favorável à legalização do uso/consumo recreativo e “medicinal” de uma... toxina.




2 Ibid


3 Ibid



5 Ibid





9 Ibid







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