A Eco-Europa Tenta Ensinar o Resto do Mundo
- Lourenço Pinto Ribeiro
- 8 de nov. de 2022
- 7 min de leitura
Na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Acção Climática (COP26), que decorreu em Glasgow no ano passado, um grupo negocial composto por vinte e dois países (os chamados Like-Minded Developing Countries), que inclui a China e a índia, pediu à presidência da conferência que não enveredasse por uma “abordagem cêntrica de mitigação”, referindo-se à preservação do objetivo de limitar o aquecimento global para 1.5 graus celsius abaixo dos níveis pré-industriais (1850-1900) até 2030 como uma questão de “responsabilidade coletiva”. O grupo pediu até que o parágrafo referente à “mitigação” fosse retirado da versão revista do documento da Conferência1. Para além das objeções a este referido objetivo, o grupo de países, que inclui, entre outros (e para além da China e da índia), o Sri Lanka, o Bangladesh, o Paquistão, a Bolívia e a Indonésia, referiram-se à meta como “colonialismo carbónico”, uma referência que pôde ser salientada quando o negociador da Bolívia, Diego Pacheco, afirmou que “aqueles países que não são capazes de atingir a meta da neutralidade carbónica até 2050 serão condenados ética e financeiramente”2. Numa conferência de imprensa, Pacheco voltou a pronunciar-se sobre a questão: “Nós (...) não aceitamos que esta Conferência sobre Ação Climática se torne num cenário de transferência da responsabilidade histórica para os países em desenvolvimento”3. NJ Ayuk, Secretário-Geral da African Energy Chamber (um grupo de advocacia especializado sediado na África do Sul), é igualmente transparente nas suas observações: “Os africanos não odeiam as companhias de petróleo e de gás. Nós adoramos petróleo e adoramos ainda mais gás natural porque sabemos que o gás dar-nos-á uma oportunidade para nos industrializarmos. (...) A demonização das empresas de petróleo e de gás natural não resultarão em nada”4.
No início de Outubro, Amani Abou-Zeid, a atual Comissária para a Infraestrutura e Energia da Comissão da União Africana (UA), afirmou que os países africanos utilizarão a 27º Conferência sobre Acção Climática (COP27) em Sharm El Sheikh, no Egipto, para defender uma posição comum quanto à energia que considere os combustíveis fósseis como necessários para as economias em expansão e para o acesso à energia. Um estudo técnico da UA, que envolveu a participação de quarenta e cinco países africanos e observado pela Reuters, delineou que o petróleo e o carvão terão um “papel crucial” na expansão do acesso a energia moderna no longo e no médio prazo5.
Com a informação atualmente ao nosso dispor, deve ser difícil acreditar que os países africanos – principalmente os da África Subsariana e onde seiscentos milhões de pessoas têm falta de acesso a eletricidade e onde utilizam lenha e carvão para cozinhar e para regular termicamente as suas habitações, com impactos nefastos na esperança de vida e na saúde respiratória – levem a sério os conselhos de políticas públicas apresentados por organizações internacionais como o Novo Banco e a Agência Internacional de Energia em direção ao reforço da utilização das energias renováveis, pelo menos ao ritmo previsto6. Na verdade, os países africanos necessitam de fontes energéticas confiáveis, abundantes e baratas, caso queiram mesmo acelerar o seu crescimento económico. É malicioso e hipócrita que os mesmos países que têm demonstrado serem incapazes de cumprirem metas climáticas sugeridas ou impostas por eles próprios (os países do Ocidente) proíbam os países em desenvolvimento de integrarem os combustíveis fósseis nas suas estratégias de evolução económica, política e social.
Comecemos pelos países ocidentais. Num artigo publicado há mais de três anos, o ambientalista veterano Michael Shellenberger7, referiu o seguinte:
Entre 2000 e 2019, a Alemanha reforçou a utilização de energias renováveis de 7 por cento para 35 por cento da sua eletricidade. A eletricidade renovável da Alemanha provém tanto da energia biomassa, que os cientistas consideram poluidor e ambientalmente degradante, como da energia solar. Dos 7700 novos quilómetros e das linhas de transmissão necessárias, apenas 8 por cento foram construídas, enquanto o armazenamento de eletricidade em larga escala permanece ineficiente e caro. “Grande parte da energia utilizada é perdida”, observam os jornalistas de um projecto de gás natural no qual se insistiu muito, “e a eficiência é inferior a 40%... Nenhum modelo viável de negócio pode surgir daqui”.
Entretanto, os subsídios que foram sendo concedidos ao longo de 20 anos às energias eólicas, solares e biogás vão começar a rarear no próximo ano. “O boom da energia eólica acabou”, conclui o Der Spiegel.
Tudo isto levanta uma questão: se as energias renováveis não conseguem sustentar economicamente a Alemanha, um dos países mais ricos e tecnologicamente avançados do mundo, como é que se espera que uma nação em desenvolvimento como o Quénia poderá “ultrapassar” os combustíveis fósseis?
É uma questão importante e pertinente. A dizimação da indústria alemã parece estar assegurada tanto pela sabotagem da Nordstream, uma série de gasodutos para transporte de gás natural, como pela expetativa de as importações de gás natural proveniente da Rússia nunca retomarem o nível pré-guerra. Com a subida do nível dos preços do gás natural, os alemães buscam lenha e utilizam menos água no chuveiro para remediarem os efeitos de uma subida de quatrocentos e oitenta euros nas contas de gás natural das habitações8. Na segunda metade do mês passado, o chanceler Olaf Scholz anunciou que 5 usinas movidas a lignito (ou lenhite) – que representa um dos meios mais poluentes de produção de energia – iriam ser reabertas “temporariamente”9. Aliás, em Maio, Scholz afirmou no Bundenstag (o Parlamento alemão) que a crise energética na Europa demandava um trabalho “conjunto com países onde existe a possibilidade de desenvolvimento de novos campos de gás natural, não obstante não ter abandonado o (suposto) compromisso de reduzir a emissão de gases com efeito de estufa10. Ministros italianos têm acompanhado executivos de uma multinacional petrolífera italiana e uma das maiores empresas a nível mundial, a Eni, em deslocações até países como a Argélia, Angola, Moçambique e a República Democrática do Congo. Em Moçambique, existe um terminal de gás natural que poderá, em breve, começar a exportar esse recurso energético para a Europa11. Ainda em meados deste ano, a Alemanha e a Áustria anunciaram um plano de emergência para reiniciar o funcionamento das centrais de carvão e a Holanda levantou todas as restrições até então aplicadas às centrais elétricas que utilizam este combustível fóssil12.
A Agência Internacional de Energia estima que o consumo de carvão pela União Europeia (EU) tenha crescido 10% nos primeiros seis meses de 2022, uma tendência principalmente impulsionada pela procura de energia, e o consumo continuará, com muita probabilidade, a crescer nos meses que se avizinham13.
Todavia, países como a África do Sul estão a ser financiados por países ocidentais precisamente para abandonarem gradualmente a exploração e utilização do carvão14. Isto é, pelos mesmo países que agora procuram a geração de eletricidade a carvão. A hipocrisia está à mostra e é talvez um dos maiores inimigos das trajetórias de desenvolvimento dos países do continente africano.
Pelo que parece, não são apenas os países em desenvolvimento, mas também os países mais económica e tecnologicamente avançados que revelam uma necessidade algo alarmante de combustíveis fósseis. Por exemplo, a biomassa, a primeira fonte energética utilizada pelos humanos, não consegui ser “afastada” por nenhum das outras fontes energéticas, como o carvão, o petróleo e o gás natural. Não faz sentido proceder ou encorajar um abandono gradual dos combustíveis fósseis quando estes satisfazem atualmente cerca de 80% das necessidades energéticas a nível mundial15. Os campos de energia eólica e de energia solar estão longe de se revelar aptos a prover às necessidades de consumo de energia total em redor do mundo, mas os seus danos ambientais são cada vez mais evidentes. Por exemplo, os campos de energia eólica situados no Quénia, financiados por países ocidentais, ameaçam a existência e o modo de vida de certas aves16. As mesmas evidências surgem nos Estados Unidos da América (EUA)17.
Apenas uma fonte de energia consegue tornar o abandono gradual de gás natural, de petróleo e de carvão verdadeiramente sustentável: a energia nuclear. Além de ser capaz de fornecer energia em abundância, limpa e barata para todos e num futuro visível, é segura18 e os riscos da sua utilização podem vir a ser gradualmente atenuados ou reduzidos.
Pedir aos africanos o abandono de recursos associados aos combustíveis fósseis em troca de “caridades monetárias e financeiras” de governos ocidentais e de agências multilaterais e investirem em energia eólica e solar é algo disfuncional e revela uma completa falta de consciência quanto à histórica económica e do desenvolvimento das nações. Independentemente da forma como nos situamos em questões como o aquecimento global ou as sanções a serem aplicadas à Rússia, também tempos que questionar a viabilidade da aplicação do conceito “transição energética”. Na verdade, o que estamos a assistir é a uma acumulação de fontes energéticas, visto que a humanidade foi adicionando à biomassa, ao longo do tempo, carvão. Hidroeletricidade, petróleo, gás natural, energia nuclear, energia eólica e energia solar. O que existe é uma combinação destas fontes, com o predomínio vasto dos combustíveis fósseis.
A hipocrisia e os critérios disfuncionais da Europa e do restante mundo desenvolvido são bem sintetizadas nas seguintes palavras do ambientalista Bjorn Lomborg19:
"A resposta do mundo desenvolvido à crise energética global colocou em evidência a sua atitude hipócrita em relação aos combustíveis fósseis. Os países ricos aconselham os em desenvolvimento a usar energia renovável. No mês passado, o Grupo dos Sete chegou ao ponto de anunciar que não financiaria mais o desenvolvimento de combustíveis fósseis no exterior. Enquanto isso, a Europa e os EUA imploram às nações árabes que expandam a produção de petróleo. A Alemanha está reabrindo usinas de carvão, e a Espanha e a Itália estão gastando muito na produção de gás africana. Tantos países europeus pediram ao Botswana que extraísse mais carvão que o país mais do que duplicará as suas exportações."
A COP27, que começou no último domingo, pode constituir uma oportunidade para a Europa (através de vários representantes) ser transparente quanto à forma como verdadeiramente se compõe de países que hoje se distinguem por um elevado nível de desenvolvimento, comparáveis aos do Canadá e dos EUA. As alterações climáticas existem, mas também o eco-colonialismo e o alarmismo climático. Vejamos se a Europa se vai desvinculando dessas duas patologias, para o bem de todo o mundo.
2 Ibid
3 Ibid
8 https://finance.yahoo.com/news/germans-looking-firewood-energy-natural-140600963.html?guccounter=1
11 Ibid
17 https://apnews.com/article/science-business-billings-eagles-birds-a5538efc2c386c661194fe64904cffe2
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