1A: Passado Um Ano de Guerra
- Afonso Cunha Viola
- 24 de fev. de 2023
- 3 min de leitura
A guerra acompanha o homem desde os primórdios da civilização. Muito já se
disse e escreveu acerca desse fenómeno. Aos olhos de quem lhes escreve é compreensível
que ao longo do tempo diferentes interesses se tenham confrontado, e que esses
confrontos tenham sido muitas vezes violentos. A ideia perpetuada de que os fins
justificam os meios é extremamente útil para ajudar a compreender a permanência da
guerra na história da humanidade. Aparentemente, as guerras são moralmente aceitáveis
desde que justificadas. E o que se verifica é que todas as guerras constituem um meio
para um fim, justificadas num primeiro momento por políticos e num segundo momento
por historiadores. Nesta concepção utilitarista do conceito, o fim é, necessariamente, o
ditado pela facção vencedora.
Detenhamo-nos então sobre o valor moral dessas justificações! Pensemos no
sentido dos nossos actos, para mais tendo eles consequências tão nefastas! Qual o sentido
da guerra no mundo contemporâneo? Vale a pena morrer por um país que não existe senão
nos mapas que nós desenhamos? Vale a pena morrer pelos delírios de tiranos com fome
de impérios? É possível que alguns respondam que sim, talvez até muitos. Porém penso
diferente. Para mim o valor da vida está em vivê-la. Ou seja, o objectivo da vida não é,
não pode ser morrer por algo ou por alguém, o objectivo da vida tem de ser viver por
aquilo em que se acredita.
Seria de esperar que, ao fim de milénios de existência, já tivéssemos sido capazes
de entender que na guerra só se perde. Adiam-se pela violência as conversações que, tarde
ou cedo, tem de ser levadas a cabo. Ora, entendamos que somos todos iguais em direitos.
Somos oito mil milhões de pessoas que habitam uma pedra e que não têm outra riqueza
que não a sua existência e os resultados da sua evolução milenar, sendo, portanto, inútil
destruirmo-nos pela ilusão da posse. Claro que somos também muito diferentes, não
crescemos todos de maneira igual, diferenciamo-nos na cultura. Eu, por exemplo, não me
posso desfazer da minha. Sou fruto do ocidente, um autêntico somatório de tempos e
experiências. Contudo, não vejo proveito na hostilização dos que são diferentes, por mais
incompreensíveis que me pareçam. Temos de conviver procurando compromissos e
respeitando as liberdades individuais.
O que se passa na Ucrânia choca-nos. É natural que choque! Perante a morte e a
destruição é difícil não nos condoermos. Mas estou consciente que a nossa compaixão e
solidariedade persistem porque as imagens da destruição nos chegam diariamente pela
televisão, pelas redes sociais, pelos jornais. Actualmente a guerra não é um fenómeno
exclusivo do território ucraniano. Na Etiópia, no Iémen, na Síria, na Palestina e em tantos
outros territórios populações são privadas dos seus direitos fundamentais em prol de
guerras demoradas e destrutivas. Se nestes casos as distâncias geográfica e/ou cultural
nos fazem relativizar as consequências e notícias das guerras aí lavradas, por sua vez, no
caso da guerra da Ucrânia a proximidade impõe uma maior consciência dos
desenvolvimentos.
Admito que não percebo muito de geoestratégia ou de política militar, porém
consigo reconhecer que o binómio Ocidente/Oriente encontrou na Ucrânia, para a
infelicidade dos milhares de mortos, terreno fértil a uma disputa pela preponderância dos
dois grandes blocos em que o mundo se divide. Este factor contribui fortemente para a
redobrada atenção dada a este conflito particular, confirmado pela politização da guerra
e pelos os esforços dos países da OTAN para sustentar a resistência ucraniana.
Ao fim de um ano de guerra a leste muito já se disse e escreveu sobre a Rússia e
a Ucrânia, sobre a esperança na paz, ou sobre a fatalidade de um fim insondável. Eu não
vejo nenhuma boa solução para a contenda, isto, porque me parece não existir nenhuma.
Os territórios invadidos e reclamados pelo Estado Russo são indubitavelmente
ucranianos. Porém, a Rússia é um Estado poderoso e militarmente perigoso, cujo líder
não demonstra qualquer tipo de empatia para com os milhares de vítimas que os seus
augúrios imperiais provocaram. Como já disse, se a Ucrânia continua a resistir ao invasor
muito deve ao interesse ocidental, sobretudo ao interesse de Washington, em fazer frente
a Moscovo. Com isto, entenda-se, não pretendo santificar uns e diabolizar outros. Essa
dicotomia não tem grande utilidade para o caso. Perante tal situação, a solução para o
conflito é difícil de imaginar. A manutenção da soberania ucraniana implica um recuo
russo, imprevisível, ou uma escalada da guerra que pode tomar proporções mundiais.
Em suma, as certezas são poucas e as dúvidas são muitas. São certas a crueldade
da guerra e a infelicidade da sua perpetuação. Tudo o resto são dúvidas: Quando acabará
a guerra? Como? Tudo perguntas sem resposta, quanto a mim. Termino afirmando que
todas as guerras são condenáveis, lamentando as mortes e a destruição na Ucrânia e nas
demais geografias onde os senhores da guerra exercem a sua dominância e apelando a
que todos nos empenhemos na construção de uma paz perpétua assente nas ideias de
liberdade e fraternidade.
Afonso Cunha Viola
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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