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1A: Um ano, uma perspetiva

Se há um ano e alguns meses nos questionássemos sobre uma eventual guerra com o impacto mundial que observamos, muito provavelmente, quase ninguém acreditaria naquilo que se verificou. Não obstante, ficou-me na memória uma conversa que tive com um cidadão ucraniano, na semana anterior à invasão russa e na qual ele afirmava que, para breve, algo parecido estava para ocorrer.

Com o passar do tempo, apercebo-me cada vez mais que, no capítulo das guerras, o que tinha a ser inventado, já o foi. Em outubro de 1914, em plena I Guerra Mundial, um artilheiro alemão chamado Herbert Sulzbach proferia as seguintes palavras: “Certamente, nós não queremos esta guerra! Só nos estamos a defender, a nós e à nossa Alemanha, contra um mundo de inimigos que se uniu contra nós” (in Gilbert, 1994). A própria conceção da ideia não é nova: Catarina II queria o mesmo - embora o seu objetivo final fosse Constantinopla - e a ideia da Crimeia também não é original - basta olhar à guerra em meados do século XIX.

Posto isto, Putin “juntou o útil ao agradável” e à boa maneira maquiaveliana “inventou” um plano, no qual convidou os seus militares a realizarem exercícios. Azar dos azares, violou um dos princípios básicos da ética maquiaveliana, ao não ter um motivo válido - à luz da opinião pública - para assumir a posição que tomou. Resultado? Num regime bem mais suave do que alguns que conhecemos, a população, aos poucos, começou a aperceber-se no grande sarilho em que estava metida.

Por outro lado, ficamos a compreender a dependência que muitos regimes e organizações têm da Rússia. Se alguns nos poderiam parecer “banais”, custa aceitar que outros tentem, sistematicamente desde o primeiro dia, “boicotar” as decisões que são tomadas nos principais órgãos de cooperação internacional. No fundo, aquilo que mais nos surpreende é a forma como certas pessoas querem fazer crer que a culpa é mútua - como se a defesa daquilo que é nosso, à luz de acordos internacionais, fosse um crime. Em jeito de brincadeira, talvez essas pessoas devessem rever o tal conceito de “nosso” que tanto apregoam.

Uma das coisas que me atormentava há algum tempo é o facto de muitos dos países do norte da Europa não pertencerem - e não quererem pertencer até à data do início da guerra - às instituições europeias e mundiais que promovem uma coesão e uma resposta una a cada decisão que deve ser tomada. Posto isto, fica a pergunta: Só nos lembramos que essas instituições existem, quando estamos aflitos?

Nem a propósito de tais instituições, não posso deixar de mostrar a insatisfação sobre alguns países que - embora estejam no seu direito - procurem colocar os mais diversos entraves sobre as propostas apresentadas para mitigar os efeitos provenientes da guerra. Mais adianto, deveríamos estar atentos, não só aos que estão dentro, mas também àqueles que pretendem entrar nas "nossas" organizações. Não descurando o conceito de democracia, não podemos deixar que um país possa hipotecar uma proposta, porque revê-se ou apoia (direta ou indiretamente) um determinado regime.

Também na esfera das organizações, neste caso, na União Europeia, ao longo deste ano tem sido muito discutida a proposta de entrada da Ucrânia. Naturalmente, não esperemos que este dossier fique resolvido em "meia dúzia de meses", até porque se trata de um processo longo. Segundo o Index de Desenvolvimento das Democracias (2021), realizado pelo The Intelligence Economist Unit, a Ucrânia aparece na modesta 86ª posição, com nota pouco satisfatória, sobretudo nos critérios de cultura política e funcionamento do governo. Obviamente, não se pode esperar uma mudança substancial nestes parâmetros, muito menos em tempos de beligerância. "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Esta é a frase que melhor se adequa à adesão dos diversos países na União Europeia. Se é verdade que, em tempos, os critérios eram extremamente apertados, atualmente e com a necessidade de aglomerar o máximo de países possíveis, esses parâmetros foram sendo "ocultados", para que mais rapidamente se possa finalizar o processo. Terá a Ucrânia de entrar a todo o custo na UE? Terão os Balcãs Ocidentais de entrar a todo o custo na UE? Tudo o que não queremos são repercussões futuras que tragam enormes problemas para este organismo.

Ainda assim, podemos considerar alguns - ainda que poucos - aspetos positivos neste conflito: a capacidade de “sobrevivência” dos soldados ucranianos, o acolhimento aos cidadãos que tiveram de fugir da sua terra natal (e a rapidez com que os planos foram delineados), as sucessivas sanções destinadas à Rússia e a menor dependência que, inevitavelmente, passaremos a ter, perante um parceiro indesejável (esperando que sirva de lição para o futuro). Apesar disso, acarretou, por outro lado, um custo acrescido para as nossas economias, na procura por outras alternativas - nem sempre as mais eficientes -, mas que devem ser a base para o “novo futuro”.

Por estas razões, será muito difícil falar de um balanço positivo sobre este primeiro ano de guerra, não seja pelo simples facto de ela ainda não ter terminado. O futuro? “Prognósticos, só no final do jogo”. Joe Biden afirmou no seu discurso que realizou em Varsóvia no passado dia 20 de fevereiro: “A Ucrânia nunca será uma vitória para a Rússia. Nunca”. Esperemos que seja esse o destino final desta longa jornada.


Rodrigo Freitas

Estudos Europeus na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa




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