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A Paz, o Pão, a Habitação, Saúde, Educação!

Sempre que um trimestre ou um semestre acaba, somos bombardeados com notícias e publicações charmosas sobre o crescimento económico do país comparado com um espaço de tempo anterior. É um facto económico bonito de se partilhar, sermos o segundo país da União Europeia que mais cresceu, mas, numa altura em que os direitos mais basilares das democracias começam a ser desafiados pelo poder do mercado, podemos falar de crescimento económico até quando?


Não venho citar Sérgio Godinho de forma ingénua ou ao acaso. Venho refletir sobre os parâmetros que, concordando com o Sérgio, são aqueles que mais devem interessar às democracias liberais: a paz, o pão, a habitação, saúde, educação.


Muitas famílias de portugueses vêm os seus rendimentos mensais desaparecerem tão rápido quanto um pagamento de renda e uma ida ao supermercado. Muitas poupanças são forçosamente gastas para garantir questões básicas. Muitos jovens são empurrados para situações precárias no emprego e na habitação, num lugar onde as promessas vazias dos governos ou das 50 maiores empresas portuguesas não chegam. Muitos pensionistas vêm a sua capacidade de compra reduzida ao mínimo, uma vez que as pensões em nada acompanharam a evolução da inflação. Neste sentido, é moral falar de crescimento económico nestas situações? É de interesse público, para além de ser de interesse político?


Quem estuda as ciências sociais, onde a Economia entra e sai de acordo com as suas vontades, percebe que os rankings referentes ao tema do crescimento económico e do progresso das contas de um Estado são perigosos. Não venho cá afirmar que a disciplina da Economia é, na sua índole, nociva a um Estado equilibrado e social, muito pelo contrário. No entanto, seria, na minha opinião, de maior interesse termos ajustes feitos ao que é necessário em qualquer país, contas que demonstram algum crescimento económico, mas que venha acompanhado de bem-estar social.


O governo espanhol anunciou um verdadeiro pacote de medidas para combater a inflação e o custo elevado de vida, com aumentos salariais, reforço das pensões, IVA a 0 nos produtos essenciais, entre outros. O governo canadiano proibiu a venda de casas a estrangeiros não-residentes com a esperança de controlar o mercado da habitação. E por aqui? Bem…temos uma nova Ministra da Habitação que veio apresentar o novo Plano Nacional da Habitação, mas que nele afasta, pelo menos para já, a hipótese de controle de vendas de casas a estrangeiros multimilionários, que procuram um mercado atrativo para lucrar e não para favorecer o pobre povo português, que nem nas suas próprias cidades consegue viver.


É por isso que apoio, com algumas entrelinhas, a proposta do Bloco de Esquerda, de proibir a venda de casas a estrangeiros não-residentes em Lisboa e no Porto, mas não deixando esquecer que o problema da habitação já é um problema do país inteiro e que a intervenção do Estado não deve cair na lengalenga centralizada do costume. O mercado está a ficar descontrolado. O Governo diz estar a preparar um pacote de medidas, mas o mercado está a ficar descontrolado. Se este pacote não for forte o suficiente para colocar travões ao mercado, poderemos estar a preparar o tapete para uma verdadeira e trágica crise, que já se começa a mostrar, mas mostra apenas o seu início.


Num momento de tempo em que a inflação atacou o país de uma forma que não víamos há 30 anos, os direitos mais básicos são colocados sobre enorme pressão. A paz está, como não deve existir dúvida, em situação débil. A guerra na Ucrânia levantou o pó de um tapete que não se sacudia há anos, as relações diplomáticas extra-europeias estão a ser testadas a cada dia que passa e a história de uma possível nova Guerra Fria vai-se escrevendo. O preço do pão nunca esteve tão caro.


A possibilidade de possuir habitação digna, seja arrendada, seja comprada, está cada vez mais distante da possibilidade de muitos jovens adultos e até adultos com muitos anos dados ao trabalho. O direito a habitar nas nossas cidades foi colocado em segundo plano, cujo primeiro é o panorama da cidade de Lisboa para os conteúdos dos nómadas digitais.


O direito negado de mulheres grávidas se dirigirem a um hospital público para ter o seu filho coloca todo o Sistema Nacional de Saúde em risco de não cumprir o seu objetivo mais básico: servir os portugueses. O direito negado a uma educação de qualidade, consequência de uma contínua falta de investimento na escola pública e nos seus professores, que, com muita razão, se manifestam e deixam milhares de alunos sem aulas, coloca em causa o futuro de uma geração inteira que em muito já vem prejudicada pela pandemia.


Governar um país como Portugal, com problemas estruturais como Portugal, é um tarefa dificílima para qualquer governo e governante, ainda para mais, numa altura em que as consequências desses problemas estruturais parecem ter vindo à tona naquilo que é visível. No entanto, não podemos deixar que a pressa do crescimento económico venha afastar a moralidade da Economia. Não podemos deixar que os direitos mais básicos sejam afastados por rankings e conceitos pouco apreciados no dia-a-dia dos portugueses e portuguesas. Não podemos continuar a vender o país aos estrangeiros como um isco apetecível, mas fácil.


Para que serve o crescimento económico se não o andamos a investir onde devíamos? Para que servirá aos portugueses?

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