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França: no meio do caos, quem é o adulto na sala?

No dia 14 de Abril, o Conselho Constitucional francês validou os aspectos principais do projecto de revisão da lei das pensões: todas as medidas no sentido de aumentar de 62 para 64 anos a idade legal de aposentação em França. A decisão dos nove elementos do Conselho Constitucional é mais um passo para a entrada em vigor da medida tão falada por Emmanuel Macron e, para além de deixar em aberto algumas reservas sobre questões secundárias sobre as quais o Conselho se veio a pronunciar mais tarde, bloqueia um projeto de referendo de iniciativa conjunta pedido pela oposição da esquerda sobre o projeto do Governo liderado pela primeira-ministra Élisabeth Borne. Portanto, é em vão que a esquerda francesa irá proceder a uma recolha de 4,8 milhões de assinaturas destinada à realização de uma consulta aos franceses que seja capaz de fazer recuar o projeto de governo.

O Presidente Macron é da opinião que as reformas previstas pelo projeto de governo são essenciais para evitar o colapso do sistema de pensões francês. Assinou a lei na manhã de 15 de Abril. O Ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, estima que as reformas comecem a ter efeito a partir do início de Setembro deste ano. Assim, a idade de reforma estatutária (atualmente 62 anos) irá subir três meses em cada ano, a partir de Setembro de 2023, alcançando os 64 anos no fim da presente década. Por seu lado, a oposição e sindicatos clamam por alternativas, como por exemplo obrigar as empresas e os mais ricos a pagarem mais para sustentar o sistema de pensões francês.

As idades de reforma, na União Europeia (EU) e considerando os dados facultados até 2020, podem ser precoces ou estatutária/standard: nos homens, a idade média de reforma precoce varia entre os 59 anos (Lituânia) e os 63.7 anos (Alemanha); nas mulheres, esse valor oscila entre os 58 anos (Lituânia) e, mais uma vez, os 63.7 anos (Alemanha). Ou seja, no caso dos homens, o valor da França diverge três unidades relativamente ao valor mínimo (Finlândia) e quase dois valores relativamente ao valor máximo (Alemanha). No caso das mulheres, o valor da França diverge quatro unidades relativamente ao valor mínimo. A idade média de reforma da França (62 anos) é equivalente à dos seguintes países: Áustria, a Grécia, a Itália, o Luxemburgo, a Noruega, Portugal e Suécia.

Observemos agora a idade de reforma standard. Ainda tendo como referência dados de 2020, a idade média de reforma (tanto para homens e mulheres) em França era de 64.5 anos. Este valor é duas décimas acima da idade média de reforma das mulheres (64.3) e uma unidade acima do valor para os homens (63.5). A idade média de reforma da França encontra-se ligeiramente acima da média da União Europeia (segundo dados de 2020)..

Até aqui, poderá parecer que as alterações defendidas por Macron e Borne revelam alguma falta de estabelecimento de prioridades de definição de políticas públicas para a segurança social. Contudo, temos de ir mais longe nas nossas observações. Tendo já em mira o próximo ano, a França está a considerar gastar 55.5% do seu PIB em despesas públicas (englobando benefícios sociais, pensões, abonos de família e o Imposto de Solidariedade Activa), o que consiste na maior percentagem de despesa pública (financiada por impostos e por empréstimos, ou dívidas) relativamente ao PIB alguma vez registada na Europa nos tempos mais recentes. Esta notícia é vista como um sinal de que Emmanuel Macron, apesar de comummente considerado “neoliberal” pelos seus opositores, não tem contribuído para o decréscimo da despesa pública relativa em França.

Para além de se encontrar no topo do principal indicador de socialização da economia, o referido empobrecimento dos serviços públicos na França tem encorajado interrogações sobre as finalidades das despesas públicas. Na verdade, grande parte dos gastos do Estado francês é direcionada para a redistribuição de rendimentos, sendo que o nível de envelhecimento e o aumento do número dos aposentados em França tem contribuído para a subida de alguns tipos de subsídios e/ou pensões. Consequentemente, o financiamento dos serviços públicos é cada vez mais inadequado para responder às necessidades dos franceses. Não esqueçamos que foi o “liberal” Macron que aumentou o bônus de actividade, o rendimento mínimo para os jovens sem trabalho e sem formação e que determinou a extensão da licença de paternidade.

Outro ponto a destacar é o facto de a França ser o país da Zona Euro em que os impostos são mais relevantes (impostos em percentagem do PIB, dados de 2021). Na UE, encontra-se apenas atrás da Dinamarca (1.8 pontos percentuais menos que o país nórdico), que chega aos 48.8 %. Assim, neste indicador, a França distancia-se em 5.3 pontos percentuais relativamente à média da UE (41.7%) e 4.8 pontos percentuais relativamente à média da Zona Euro (42.2%). Contudo, a disparidade entre a França e a média europeia (pensando na UE e na Zona Euro) tem vindo a diminuir desde pelo menos 2017.

É em grande parte os impostos sobre a produção que continuam também a sustentar a diferença entre as taxas de impostos na França e no resto dos países da Zona Euro. Em 2021, estes impostos representaram 4.5% do PIB francês, 2.2 pontos percentuais acima da média da Zona Euro. Contudo, uma maior convergência fiscal entre a França e os outros países europeus foi provocado, entre outros factores, pela redução dos impostos sobre os lucros das empresas em 2021. No que respeita ao imposto sobre o rendimento das famílias, o seu peso aumentou na França devido ao aumento da CSG (Contribuição Social Generalizada). A este respeito, em 2021 ainda se encontrava ligeiramente abaixo da média europeia (9.4% na França e 9.7% na Zona Euro). Contudo, no sentido estrito, o imposto sobre o rendimento continua mais baixo na França (3.3% do PIB). Ainda que, na França, o peso das contribuições sociais tenha diminuído nos últimos anos, continua a não ser suficiente para afrouxar consideravelmente a diferença fiscal entre a França e a restante Zona Euro. Quanto aos impostos sobre o consumo (energia, tabaco, bebidas alcoólicas, seguros, etc.), a França situa-se muito acima dos seus vizinhos europeus (1.2 pontos percentuais acima da média da Zona Euro, que registava 11.1% em 2021).

Voltando aos benefícios sociais, sabemos que a França, em 2019, dispensou 31% do seu PIB em benefícios sociais. Segundo um estudo da OCDE (Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), a França esteve entre os 37 membros desta organização que dedicou mais da sua criação de riqueza aos benefícios sociais, encontrando-se acima da Finlândia, da Bélgica e da Dinamarca. Em média, as despesas com contribuições sociais (em percentagem do PIB) corresponderam a 19.9% do PIB. As despesas sociais públicas incluem os gastos de redistribuição para famílias mais necessitadas e as pensões (que representavam 13.6% do PIB em 2019 e 44% da totalidade das despesas públicas totais). Se agregarmos a isto os gastos sociais privados, a França permanecia em primeiro lugar na OCDE (32% do PIB). Respeitando o comum da Europa e ao contrário dos Estados Unidos (onde os gastos sociais globais representam o equivalente a 30% do PIB), as despesas sociais na França são essencialmente públicas e, como tal, financiadas por impostos. Mais uma vez, é desde 2015 que o gasto relativo em contribuições sociais tem decrescido.

As pensões da segurança social têm dois requisitos para satisfazerem as necessidades do público e dos seus beneficiários: a adequação dos seus benefícios e a sustentabilidade financeira. À medida que o envelhecimento populacional se torna mais incidente numa sociedade, a sustentabilidade do sistema é mais sujeita a preocupações. Por seu lado, a adequação é assegurada pela qualidade de vida pós-laboral, pelo que qualquer falta de sucesso em cumprir este requisito torna o sistema de fundos, pensões e subsídios politicamente insustentável. É a impossibilidade da compatibilidade entre os dois requisitos que obriga os governos de cada país a tomarem medidas de equilíbrio que consigam tentar agradar a todas as partes. O que se passa em França envolve, na nossa opinião, maiores disputas sobre a forma como o sistema de segurança social francês é financiado. Segundo Barr-Diamond, existem quatro opções disponíveis para assegurar a sustentabilidade do sistema: redução do nível de benefícios; aumento da idade de pensões/de reforma; aumento da taxa de contribuição; aumento da receita nacional. Macron e Borne, para o choque da oposição e dos sindicatos, já afastaram a possibilidade de adoção da segunda. Face ao problema estrutural de financiamento e de representatividade das despesas públicas, nomeadamente em benefícios e transferências sociais, que a França enfrenta e ao nível de tributação a que a França chegou, Macron e Borne parecem estar a comportarem-se com maturidade diante da situação que têm em mãos. É a coragem e o bom-senso deles (ainda o revelam, de vez em quando) que são necessários para que a França não veja, a determinados níveis, o fundo do poço em que está há anos.

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