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O papel da União Europeia na democratização da Globalização

Luís G. Rodrigues, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa


É natural que, olhando para o Mundo de hoje, uma observação superficial e analiticamente insuficiente possa induzir à aceitação acrítica de certas concepções construídas coletivamente de forma idealista por uma parte da sociedade ocidental que convive, diariamente, com aquilo que são as tendências mais recentes de cada momento.


O fenómeno da Globalização é, por vezes, visto como um processo completamente democratizado, igualitário e potenciador de uma realidade mais diversa. Bem, a verdade é que isso não corresponde totalmente à realidade dos factos.


Fazendo uso, neste artigo, das principais ideias de Anthony Giddens, Arjun Appadurai e Manuel Castells no que diz respeito à Globalização, é útil, antes de mais, começar por definir este conceito tão vasto.


A Globalização é um fenómeno de natureza “política, tecnológica e cultural, além de económica” (Giddens 2000: 22) que foi exponenciado pela “Era da Internet” e consequente progresso tecnológico associado que permitiu que a circulação de informação, de capital, depessoas e de bens fosse acelerada e promovida a ritmos anteriormente nunca experienciados (Manuel Castells 2007). Esta rede de interações tomou um lugar absolutamente central a partir do momento em que o sistema económico neoliberal – e daí venha talvez a ideia fundamentalmente errada de que a Globalização é somente um fenómeno de cariz económico – encontrou nas ferramentas que deram vida à Globalização uma base indispensável à sua efetivação no que diz respeito ao domínio do mercado livre na política externa dos países. É importante recordar que a freneticidade com que a tecnologia progride nos dias de hoje requer uma atualização constante não só da parte material dos equipamentos utilizados, mas também de quem os manuseia e atualiza. Tendo em conta que a economia atual assenta numa competição entre “players” no mercado, esta desenvoltura tecnológica é colocada à prova num contexto de sistema de rede complexa que, precisamente por ser um dos pilares do funcionamento da mecânica economicista de que todos os concorrentes (com fins-lucrativos) dependem, exige uma espécie de cooperação imposta, no sentido em que a informação obtida por uns é melhorada por outrose assim sucessivamente:


“Por que as redes são importantíssimas na nova concorrência económica? Ernst aponta dois fatores como fontes principais nesse processo de transformação organizacional: a globalização de mercados e insumos e a drástica transformação tecnológica, que toma os equipamentos constantemente obsoletos e força a contínua atualização das empresas em termos de informações sobre processos e produtos. Nesse contexto, a cooperação não é apenas uma maneira de dividir custos e recursos, mas constitui uma apólice de seguro contra alguma decisão errada sobre tecnologia: as consequências de tal decisão também seriam sofridas pelos concorrentes, visto que as redes são ubíquas e interligadas.” (Castells 2007: 252).


Porém, pensar na vertente económica seria apenas ver uma peça de um puzzle bem maior. A Globalização tem uma dimensão cultural fortíssima, não fosse o debate da “perda de identidade cultural nacional” uma conversa tão presente e necessária ou o debate acerca doacolhimento de movimentos sociais entre países, nomeadamente na área das questões raciais (Black Lives Matter), direitos civis, direitos LGBTQ+ (Pride) - que, para além do seu impacto coletivo, têm um imenso impacto na vida familiar de cada um, já que são temas quecolocam em causa os valores normativos e perpetuados entre gerações e causam uma discussão inter-geracional formativa para cada indivíduo e respetivo círculo relacional – tão presente em praça pública . Naturalmente, como consequência disto, dão-se “shifts” sociais que são posteriormente lidados pela política, que sente a pressão de um certo grupo de pessoas – diferentes (ou não) dependendo do tema tratado – que acarreta um valor simbólico-representativo para os demais que se identificam.


Se falar em Globalização é falar num sistema complexo e com definições várias sempre em contínua reavaliação, é também falar na forma incompleta como o fenómeno – tal qual da forma pensada para o gerir por parte dos países integrantes do mercado livre – influenciou as desigualdades, sejam elas de cariz económico, social, de acesso à saúde, ou de acesso a oportunidades.


Veja-se as seguintes estatísticas:







Um mundo em que a riqueza dos dez homens mais ricos duplica enquanto que, devido à pandemia do COVID-19, as receitas de noventa e nove porcento da população são diminuídas não pode ser considerado, a meu ver, um mundo totalmente democrático ou Globalizado. Um mundo em que cinco milhões e seiscentas mil pessoas morrem devido a acesso a cuidados de saúde de qualidade não pode ser considerado, a meu ver, um mundo totalmente democrático ou Globalizado. Um mundo em que dois milhões e cem mil pessoas morrem por culpa da fome não pode serconsiderado, a meu ver, um mundo democrático ou Globalizado. Poderia continuar a apresentar mais dados absolutamente arrepiantes, porém é mais proveitoso explicar o porquê de acreditar e afirmar que falta concretizar a democracia plena. A democracia não significa somente votar de X em X anos para eleger os representantes que bem entendemos; não significa somente ter liberdade para ler, ver, aceder a todo o tipo de conteúdos que nos aprazem; não significa somente ter liberdade de expressão para veicular e dar voz a opiniões e estados de espírito – democracia significa promover tudo istoe alargar os seus horizontes. Alargar os seus horizontes até aos povos que não padecem damesma possibilidade de prosperar dos estados-membro da União Europeia. A UE tem a responsabilidade de não só garantir a Globalização, mas promovê-la, no sentidode assegurar uma não homogeneização ou americanização do Mundo: “A Globalização dos mercados da cultura coloca-nos perante o problema da perdurabilidadedas culturas tradicionais (ou étnicas), quase cilindradas pela voragem do mercado mundial de bens culturais e perante o perigo do modelo cultural único, quase imposto a partir dos Estados Unidos da América. Conseguiremos nós escapar à “coca-colonização”, à “mac-donaldização”, à “disneilandização” do planeta? (Santos 2004: 962). Para isto, a UE tem de assumir a responsabilidade capital de defender valores e princípios como a igualdade de género e liberdade sexual, a defesa dos direitos LGBTQ+ (sendo, deste modo, completamente clara na condenação das posições iliberais de Viktor Órban), a defesa da não-discriminação racial, a defesa da verdadeira igualdade de oportunidades ao promover a equidade no ponto de partida, a solidariedade e compromisso humanitário de ajudar os países de terceiro mundo e respetivos povos a terem uma vida digna. A Globalização é a oportunidade imperdível de fazer o progresso acontecer. Basta democratizá-la. Referências: Castells, Manuel, e Roneide Venâncio Majer Cardoso, Fernando Henrique. 2007. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra. Giddens, Anthony. 2000. O Mundo na Era da Globalização. Lisboa: Editorial Presença. Santos, E. dos. 2004. Comunicação e Cultura: Uma Abordagem. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. : Oxfam International («Oxfam International». Oxfam International. Obtido 25 de abril de 2022 (https://www.oxfam.org/en).

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